“Éramos muito felizes.”
“Havia dificuldades mas tínhamos
de tudo.”
“Já naquela altura tinha 17 camisas.”
“Conseguia nadar o rio dum lado
ao outro.”
Cresci com estas frases vezes sem
conta, mas nunca me cansei das ouvir. Eram histórias de encantar mas na versão
vida real. Como era muito pequena acabei por nunca entender muito bem os
parentescos dos nomes que eram pronunciados. A maior parte das personagens não
as conheci, e outras tantas nem sei se eram da família. Chego ao ponto de baralhar
os familiares da parte da avó e os da parte do avô. Não me recordo se houve
alguma vez alguma história de como se conheceram, já que tenho a sensação que
nunca viveram na mesma terra. As cunhadas tratavam-se por irmãs e apesar do mau
feitio de alguma, o bom da outra acabava por compensar.
Eram outro tempos...outros
valores...
Sofria-se muito. Tinham
fome...tinham frio...tinham medo....eram felizes!!!
Tremiam cada vez que o pai
chegava a casa, mas dançavam ao som da gaita de beiços e faziam verdadeiros
bailaricos na enorme cozinha.
Cozinha com tantas memórias...com
tantos cheiros. Acabou também por ser a minha cozinha. Que saudades da braseira debaixo da camilha.
Que saudades das batatas doces do fogão a lenha. Que saudades de ter o meu
primo mesmo ali ao lado sempre pronto para brincar à pontaria dos berlindes nos
soldados. E o Homem invisível??? Essa era uma partida da tontinha da minha
irmã...mas que felizmente nunca mais me esqueci!!!
Esta Sra que tinha 17 camisas e
que sofreu algumas dores na sua longa vida...acaba por ser o elo de ligação
destas memórias. Lembro-me de baloiçar na perna dela enquanto passava a ferro...e
acreditem que já não era uma mulher nova...mas o amor da avó deixava-nos abusar
do seu corpo muitas vezes maltratado.
Lembro-me da casa sempre cheia e
do cheiro do café acabado de fazer enquanto assentava. Lembro-me de querer sempre
a fatia do meio do pão...apesar de gostar mais do pão da tia!! Os Mondongos
(*1) cheios de açúcar...
Os bolinhos dos Santinhos nos
casais na casa da Tia que fazia anos...e o cheiro a fumo da Tia da Tapada.
Ainda havia os tios do rancho!!!
Era tão giro aquelas danças animadas que o meu pai tanto detestava. Para o meu
pai era sinónimo de barulho que não o deixava descansar depois do dia de
trabalho. Para mim era o momento do dia em que íamos espreitar por um
buraquinho as danças que queríamos dançar.
Era a casa da avó que era a minha
casa. Foi onde construí as minhas melhores memórias. Foi onde me conheci como
gente....a partir daí foi só crescer.
*(1) - Pastel de farinha e ovo frito